MEMÓRIAS QUE O TEMPO NÃO APAGA JAMAIS
A Anestesiologia, é a mais divina dentre as especialidades médicas e, tem características bem diferentes de todas as outras. Um fato marcante deve-se a não necessidade de manter relacionamento prolongado com os pacientes. O Imediatismo também faz parte do perfil desta especialidade tão anônima e tão vital.
Vamos apenas tentar descrever pequenos trechos do passado da Anestesiologia da progressiva Mossoró, necessitada de incentivos e desenvolvimento nesta especialidade, porque a cidade florecia. Nesta época os hospitais existentes em Mossoró não estavam sucatea dos, a exemplo de hoje, e sim em visível evolução.
Mossoró sempre foi destaque pela pujança de seu comércio e riquezas naturais como petróleo, sal, agricultura e cultural.
PIONEIRISMO DE MOSSORÓ
Reconhecidamente, Mossoró, sempre foi uma cidade pioneira, e na especialidade anestesia, também. E destacamos: A ) A primeira mulher a ter direito a votar no Brasil, foi Celina Guimarães, nas eleiç&ot ilde;es de 05 de abril de 1928 ; B ) O Jornal O Mossoroense, fundado em 17 de outubro de 1872, teve como idealizador Jeremias da Rocha Nogueira. Depois de circular por longos anos , o jornal interrompeu sua circulação em 2016. Foi um dos tres jornais mais antigos do Brasil. Figuram como colaboradores deste jornal, os maiores expoentes da nossa inteligência, se destacando dentre outros, Antônio Gomes de Arruda Barreto; C ) O Motim das Mulheres, que aconteceu em Mossoró em 30 de agosto de 1875. As mulheres protestaram contra o alistamento militar dos jovens para lutar na Guerra do Paraguai; D ) A Abolição dos Escravos – No dia 30 de setembro de 1883, cinco anos antes da assinatura da Lei Áurea , o Município de Mossoró libertou os escravos. E ) Em 25 de fevereiro de 1915 foi criada em Mossoró a primeira Cooperativa de Crédito dó Rio Grande do Norte, a Cooperativa Mossoró Novo.
O pioneirismo de Mossoró, também se destacou em vários aspectos na especialidade Anestesiologia.
PIONEIROS NA ARTE DE ANESTESIAR EM MOSSORÓ
DR CLÓVIS AUGUSTO DE MIRANDA
Confesso que impelido por uma mente inquieta e pelo temperamento imediatista como o de quase todos os anestesiologistas, fiquei tentado a solicitação de escrever sobre fatos, cenas e eventos que se desenvolveram por entre pessoas e momentos anestésicos ,contados nas mais belas páginas da História da Anestesiologia de Mossoró. E, assim, começa a indução sem pretensão a leitores. Este Capítulo será uma espécie de palestra mais íntima e demorada entre alguns anestesiologistas.
Aos primeiros dilúculos de 1953 chegava a Mossoró, o Dr. Clóvis Augusto de Miranda , médico nascido em Surubim – PE , em 14 de julho de 1923. Cursou seus primeiros dois anos de Medicina em Recife, e posteriormente, foi transferido para a Universidade Fluminense de Medicina , onde concluiu a sua formação médica em dezembro de1952.
Movido por fortes laços familiares e políticos fez a opção de trabalhar em Mossoró. Na época, < font color=”#000000″ size=”3″>existia apenas dois hospitais: O Hospital de Caridade, inaugurado em 1938 ,e hoje Hospital Duarte Filho, que melancolicamente encerrou suas atividades em 2016. O outro era a Maternidade Dr. Almir de Almeida Castro, inaugurado em 1949. Este último pertencia a um agrupamento político dominante na época.
Relatou que em algumas oportunidades, o anestesiologista, estabelecia os valores de seus honorários previamente de acordo com um percentual da cirurgia, e quando a anestesia era realizada, algum político sorrateiramente nos bastidores, impedia que o paciente realizasse o pagamento. A política sempre influenciando negativamente na medicina.
Em virtude da carência de profissionais, o Dr. Clovis atuava também como Clínico Geral e Análise Clinica. Mas, em pouco tempo, passou a atuar especificamente como anestesista. Acredita que não havia vocação e sim conveniência.
Na época todo tipo de cirurgia era realizada em Mossoró.
A monitorização disponibilizada constava: um estetoscópio, um esfigmomanometro e o conhecimento clinico.
O Dr Clóvis não tinha uma “ maleta para anestesia “ porque atuava somente em um hospital.
Sobre as anestesias gerais, contou que fazia a indução utilizando cicloprapano ou trimetileno que é molécula de ciclo-alcano com fórmula molecular C3H6. É um gás inflamável com odor semelhante ao éter, empregado como anestésico inalatório. A manutenção era feita com éter dietilico, um dos primeiros anestésicos gerais inalatórios. Um liquido volátil não halogenado que era considerado muito seguro. Muito inflamável e mais pesado que o ar, ficando preso na sala. As vezes, intubava o paciente mas preferia manter o paciente sob máscara. Utilizou também tiopental de sódico. Sempre utilizou Cloreto de suxametônio para facilitar a intubação. Ainda comentou sobre uso dos bloqueadores neuromusculares: trietiodeto de galamina, um dos únicos disponíveis aqui em Mossoró. Os pacientes geralmente apresentavam um retorno muito demorado a consciência. Recorda que fez uma anestesia em um conhecido médico e político de Mossoró para uma laparotomia, e que o paciente demorou um pouco a acordar, apenas 7 dias.
As sondas utilizadas para intubação tinham duração longa. Não eram descartáveis. Eram difíceis e caras. Sondas Rusch reutilizadas e lavadas utilizando uma escovinha. A desinfecção, quando acontecia, era através de pastilhas de formol envolvidas em uma compressa.
Nas anestesias raquidianas utilizava agulhas muito calibrosas e rígidas de metal. Reutilizadas incontáveis vezes. Mas era muito difícil encontrar um paciente com queixas de cefaléia . As cefaleias rar as eram tratadas com microdoses de galamina venosa.
Atuou também na Casa de Saúde Santa Luzia, inaugurada em 13 de dezembro de 1966.
DR ANTONIO DE MEDEIROS GASTÃO
Filho natural de Triunfo –PE, nascido em 13 de junho de 1932.
Concluiu seu curso médico em 1958 pela Universidade Federal de Pernambuco ( Recife – PE ). A Anestesia para ele não foi vocação e sim conveniência.
O Dr. Gastão estagiou no Hospital das Clinicas da Universidade de São Paulo, e teve boas experiências com anestesiologistas de renome internacional, como o Dr. kentaro Takaoca, que passava uma boa parte de seu tempo desenhando equipamentos de anestesias. Relembrou.
Em Mossoró, encontrou uma estrutura com poucos recursos materiais. Quase todas as cirurgias eram realizadas com anestesia local por falta de anestesista . As cirurgias iniciavam por volta das 4 horas , em virtude do forte calor nas salas de cirurgias.
O Dr. Duarte Filho ( Senador da República ) , com sua influência política fez uma solicitação ao Prefeito de São Paulo ( 1957- 1961 ) Adhemar de Barros para possibilitar a vinda de Dr Gastão , o que foi prontamente atendido.
Sobre fatos marcantes durante sua atuação como anestesista, o Dr Gastão destacou: Primeiro – quando da sua chegada ao Hospital das Clínicas para estágio, em um dia só aconteceram , por motivos desconhecidos, várias paradas cardíacas irreversíveis< font color=”#000000″ size=”3″> em um só dia. Não recordou o nome do anestesista que atuava neste dia. Surgiu, assim, a oportunidade de ampliação do campo de estágio , pois foi colocado para atuar como anestesista principalmente para curativos de queimados. Foi demasiado importante o estágio, pois possibilitou um grande aprendizado. Um segundo fato marcante foi o que ocorreu quando foi chamado para fazer um anestesia numa gestante portadora de leucemia e que falou o seguinte: sei que vou morrer, mas salve minha cria. Com a sensação da morte iminente ela fez uma previsão correta.
Em suas anestesias, utilizava uma máscara de Obredane ou inalador de Obredane ( 1908 ). Originalmente idealizada para administrar éter inalatório. Um equipamento de metal, acoplado a uma máscara e a u ma bexiga de porco. A bexiga permanecia cheia de oxigênio .
No Mini Museu da Clinica de Anestesiologia de Mossoró, existem todas essas peças: Inalador de Obredane, Bexiga e máscaras para gotejamento dentre outras peças muito antigas.
Durante uma anestesia na Maternidade Almeida Castro houve uma explosão e um incêndio grande com labaredas no campo operatório. Fecharam o fluxo de oxigênio e apagaram o “ fogo “ para continuar a anestesia.
Lembrou que na maternidade havia um aparelho de anestesia Cook Set – king ( de origem inglesa , ) que ele tinha medo de usar porque achava que a máquina tinha um fole muito pesado. Assim, nestas oportunidades, para não usar esse equipamento, utilizava um fluxômetro, um balão inalatório e uma válvula de Digby Leigh principalmente em crianças (Origem: Canadá) com ventilação manual. Também usou tiopental, mas não usava suxametonio para intubação. Para manutenção, usava éter e um bloqueador neuro muscular: trietiodeto de galamina.
Tinha o cuidado de realizar uma consulta pré-anestésica de todos os pacientes para planejar a anestesia. Pacientes internados no dia anterior a cirurgia.
Na indução de crianças usava kelene – um anestésico fornecido em ampolas de vidro lacrada a qual se adaptava um lacre móvel – sob mascara e não tinha preocupação com o tempo.
Para as anestesias neuroaxiais utilizava velhas agulhas de metal e a mesma agulha era usada dezenas de vezes em diversos pacientes. As seringas usadas eram de vidro e também reutilizadas após lavagem e esterilização sempre em caixas de metal.
Utilizava uma ampola de xilocaína 5%, associada a solução de adrenalina milesimal.
O mais difícil sempre foi colocar a paciente na postura adequada para punção. A complicação mais temida era a hipotensão tratada com hemitartarato de metaraminol.
Comentou que com ele nunca houve uma falha em anestesia. Toda anestesia pegava. Só havia falha nas anestesias peridurais que também fazia utilizando o método de Doglioti.
Os monitores disponíveis eram: um efigmomanometro , um estetoscópio ( pré-cordial ) .
Não havia S R P A de forma que o paciente só era retirado da sala com boas condições clinicas, e estável, para ser conduzido para enfermaria.
DR VALMIRO ANUNCIATO DA SILVEIRA
O Dr Valmiro nasceu no dia 20 de junho de 1949 no Município de Governador Dix-Sept Rosado.
Teve sua formação médica na Universidade Federal do Ceará e sua conclusão em 16 de dezembro de 1975.
Em frente ao comércio de seu pai, havia um pronto socorro . Quando chegava uma ambulância, conduzindo pacientes, ele sempre ia observar e acredita que esse fato motivou a sua escolha pela Medicina. Inicialmente queria fazer cirurgia geral, mas acabou escolhendo anestesia. Um dos baluartes de sua formação e influenciador foi o Dr. Mauro Barbosa, que também pertencia ao Instituto de Anestesia e Pneumologia do Ceará
Destacou que veio trabalhar em Mossoró, através de um convite de Dr. Clovis Miranda e Dr Rosado Cantidio. Também foi convidado pelo Dr. Ernani Maciel de Lima, um de seus chefes em Fortaleza.
Falando sobre momentos marcantes da sua trajetória, narrou uma anestesia de uma jovem que adentrou o hospital com esmagamento dos membros inferiores e que implorava: “ não me deixe morrer.” Aquela situação ainda me emociona até hoje quando recordo aquela cena. Mas infelizmente ele não resistiu a gravidade do acidente.
Em Mossoró, se fazia na época, todo tipo de cirurgia.
Era proprietário de uma maleta da anestesia ( hoje no museu da CAM) que continha de tudo: respirador, laringoscópios, sondas Rusch para intubação, máscaras, etc, etc.
A técnica utilizada para raque anestesia consistia do uso de lidocaína ( ampolas esterilizadas ) com associação de adrenalina. As agulhas e seringas eram sempre reutilizáveis .
O Dr. Valmiro foi o primeiro anestesista que utilizou a associação de morfina para as anestesias raquidiana em Mossoró. Era muito alta a incidência de cefaleia pós raque.
Para as anestesias gerais utilizava Tiopental, relaxantes musculares, e para manutenção da anestesia empregou durante muito tempo o halotano, todavia, também utilizou durante muito tempo o éter como anestésico inalatório. Testemunhou uma grande explosão durante o uso de éter. Realizou anestesias usando pentrane e etrane. Usava tanto o flaxedil como aloferine, como bloqueadores musculares.
No inicio a monitorização era feita apenas com um esfingmomanometro e um estetoscópio, mas perfeitamente controlava os sinais vitais através da clinica. Mesmo em épocas remotas existia uma sala de recuperação na Maternidade Dr.Almir de Almeida Castro. Nesta fase de sua atuação já tinha acesso aos três hospitais que agora incluía a Casa de saúde Santa Luzia,
Lembrou que as cirurgias sempre iniciavam as 4 horas e que o repasse dos honorários era feito rigorosamente em dia.
O Dr Valmiro citou ainda como anestesiologistas em Mossoró: Dr Lairson Gurgel Rosado ( falecido em acidente automobilístico ), Dr.Edmilson Coelho Araujo, Dr Antonio Xaxá Filho, Dr João Torres Pinto, Dr Frederico Miranda de Melo ( falecido em acidente automobilístico ) , Dr Elumar Pereira da Silva e, posteriormente, toda uma geração de jovens anestesiologistas.