Sentia medo só de pensar no trabalho
Na hora em que mais precisam, pacientes ficam vulneráveis a profissionais tristes e despersonalizados.
“Sentia medo e ojeriza só em pensar que iria para o trabalho “. A frase dramática mostra a que ponto chega um profissional com Burnout, um conceito que surgiu nos Estado Unidos em meados dos anos 70 e se traduz como “ queimar-se por dentro “ . Era assim que Pablo Henrique, 33 anos, médico intensivista da rede pública da Bahia, reagia ao se preparar para mais uma jornada diária. Os sentimentos de “ ojeriza “ eram acompanhados de “ tristeza, desânimo, irritabilidade, taquiarritmia, crise hipertensiva e cefaléia constante “. Tudo isso num profissional que precisa acreditar no que faz e transmitir esperanças ao doente. O nome de Pablo Henrique é fictício, uma vez que o trabalho exige a confiança dos envolvidos. Ele descobriu ser vítima de Burnout em 2005, quando fazia especialização em São Paulo. O médico procurou ajuda com um psiquiatra e passou a tomar o antidepressivo Venlafaxia associado ao ansiolítico alpazolan. “ isso foi provocado pelo excesso de trabalho , pela desilusão com a profissão e a política de saúde vigente neste pais hipócrita, declarou. Segundo Pablo, antes de diagnóstico o problema, ele se automedicou várias vezes. Mas nunca fez uso de álcool em excesso. “ Houve até mudança de comportamento dentro de casa. Se eu não tivesse uma familia maravilhosa, não sei o que teria acontecido.” Observou, referindo-se aos inúmeros casos de divórcios entre médicos no Nordeste. Em Pernambuco, segundo dados do CFM de 2007, a separação atinge 14 entre 100 profissionais, contra 5 entre 100 do Rio Grande do Norte. Questionado pela reportagem se estava curado, quatro anos depois de iniciar o tratamento, Pablo respondeu de pronto. “ Como assim, me curar ? Seria considerar que tudo que está a a minha volta está caminhando muito bem. Seria total hipocrisia. Só acredito em cura total quando houver mudança de atitude de toda a sociedade. Agora, quanto aos sintomas, me sinto bem melhor. Jesus disse: “ faz por ti, que eu te ajudarei. Carrega tua cruz e me segue.” Segundo o pesquisador Dalton Barros, o Burnout atinge justamente os médicos mais exigentes e envolvidos com o trabalho. Mas é possível evitá-la com atitudes positivas, como fazer exercício físicos, ter um passatempo ( hobby ) e momentos de repouso para reflexão. Para quebrar o gelo entre os profissionais, ele cita a importância de reuniões de avaliação freqüente para desenvolver o espirito de equipe, bem como momentos de lazer em grupo, como bater bola ou tomar uma cervejinha. “ As vezes, só o que falta é reconhecimento profissional” , acrescentou.
O BURNOUT E SEUS MALES
A prevalência da Síndrome de Burnout em médicos de UTIS no Nordeste é de 63,3%, a maior em estudos desse tipo realizados no mundo. Em pesquisas com intensivistas americanos e franceses, respectivamente, constatou-se algum grau de Burnout em 46,5% desses médicos.
Dos 297 médicos pesquisados, entre 58% e 73,3% apontaram ruídos excessivos ( respiradores, alarmes, ruídos ambientais, médicos sem educação falando em toda altura ) possibilidade de complicações no atendimento aos pacientes, problemas administrativos, sofrimento e morte do paciente, impossibilidade de gozar férias ou licença prêmio, pacientes em corredores sujos, medico da eficácia do Ministério Público contra médicos, condições precária de trabalho, como fatores mais estressantes.
Entre 35,3% e 57,5% dos médicos consideram estressantes a quantidade de pacientes na UTIS ( média de 10 a 12 ) , o ritmo acelerado das atividades, a falta de recursos materiais, o comprometimento da equipe, a delicadeza de cuidar de pacientes terminais e a pressa para dar alta aos doentes.
A maioria dos médica que trabalham em UTIS não tem especialidade em Medicina Intensiva. Isso os deixa mais fragilizados. Resultado: a Síndrome de Burnout pode provocar até 13 sintomas físicos, 15 distúrbios psicológicos e 10 comportamentais.
Entre os sintomas, destacam-se exaustão, cefaléia, distúrbios gastrointestinais, insônia, dispnéia, depressão, resfriado freqüente, disfunção sexual, humor depressivo, irritabilidade, ansiedade, rigidez , negativismo, despersonalização, baixa performance no trabalho, baixa satisfação, redução na comunicação, absentismo, entre outro.